sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Sobre a "democracia" burguesa moderna e a sua relação com a democracia antiga

‎‎‎ ‎ Uma das ideias intelectualmente mais fraudulentas da nossa época é a noção de que a democracia ateniense antiga seria uma espécie de versão imperfeita da "democracia" burguesa moderna - mentira levada a cabo com o propósito evidente de justificar ideologicamente o regime político burguês, que é só uma democracia de fachada, ao passo que a democracia ateniense antiga era uma verdadeira democracia, pelo menos no sentido formal do termo. Ninguém que se proponha a estudar seriamente estes assuntos ignora a vasta gama de recursos que a classe dominante emprega para mistificar o processo eleitoral e velar a natureza da sublimação do poder desde as suas bases nos elementos mais simples da sociedade até os grandes chefes e caciques políticos, incluindo o controle da informação, a compra - implícita ou explícita - de votos e até a fraude eleitoral em sentido mais pleno, consumada através da execução de caprichos e arbitrariedades do judiciário que visam à manipulação das eleições (sem falar daquelas leis que, nas últimas décadas e em grande parte do mundo, foram responsáveis por suprimir diversas liberdades sob o pretexto do "terrorismo" e de outras - supostas - ameaças ao Estado). 
‎ ‎ Ora, que a "democracia" moderna não seja senão um pálido reflexo da democracia antiga é algo evidente a qualquer um que tenha examinado de perto, por exemplo, o julgamento de Sócrates. Os gregos tiveram o bom senso de considerar que a culpabilidade de um cidadão tão eminente quanto o filósofo, por mais que odiado por eles, não poderia depender de nada menos que a resolução de um tribunal do júri composto por mais de 500 cidadãos capazes, por lei, de ajuizarem a respeito de assuntos legais com a boa disposição de espírito e a índole altiva próprias do homem público dessa época. Em que "democracia" atual se poderia fazer esta mesma exigência? Pelo contrário, sendo forçado o cidadão a solicitar os serviços de advogados e de outros especialistas e tendo que navegar por um mar tempestuoso de burocracias confusas, a justiça vira um luxo. É verdade que os gregos não consideravam grande parte da massa urbana de suas capitais e colônias cidadãos, mas aos cidadãos davam-lhe plenos direitos, e esses direitos não ficavam apenas no papel, como ocorre na "democracia" moderna. Estavam em pleno acordo consigo mesmos. Não tinham hipocrisias, nem medo de dizer que determinados direitos não eram para todos. Os ideólogos da "democracia" moderna, ao contrário, afirmam sempre que todos têm os mesmos direitos e que todos são igualmente cidadãos, mas a realidade nunca acompanha estas palavras.

‎ ‎ A verdade é que a democracia, entendida no sentido puramente formal do termo ou no sentido mais substancial do termo, é algo totalmente dispensável para a classe dominante no nosso mundo globalizado atual. Não são compelidos à manutenção de determinados direitos e preceitos democráticos por fidedigna convicção - originada, como era o caso dos gregos, na compreensão da unidade cívica da pólis -, mas, inversamente, prendem-se a um mero semblante de ideário progressista por pura conveniência política, isto é, para impedir a insatisfação popular e a convulsão social. Neste nosso mundo em que tudo tem, antes de mais nada, uma dimensão econômica, e a quantidade fala mais alto do que a qualidade, sentimos a falta do brio e da nobreza de espírito de outrora, e gostaríamos que os nossos líderes fossem tão ilustres quanto teria sido um Péricles, mas isso parece que é desejar demais... (Ivan Preuss)

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