Uma das falhas dos movimentos populares do passado foi a recusa de revestir a luta dos trabalhadores e dos povos do mundo de um manto de santidade e beatitude, empreendendo a criação de uma filosofia revolucionária abrangente, um sistema expansivo, mas coeso, que não deixasse de fora elementos da vida social como a religião, a escatologia, a moral transcendental etc. É lamentável que este terreno tenha sido explorado com tão pouco sucesso outrora e que aqueles que o exploraram tenham logo sofrido derrotas das quais não puderam se recuperar ou, então, tenham simplesmente considerado que o melhor a se fazer era ceder às tendências laicas e até antirreligiosas dos movimentos populares e de massa de suas épocas. Lamentável, sim, porque, na perspectiva dos populares e dos trabalhadores que lutam, a sua causa está irrevogavelmente inserida em um âmbito de anuência divina: veem a si mesmos como os representantes do Bem na Terra (e efetivamente o são), e às suas ações e anseios como manifestações da possibilidade de redenção deste nosso mundo que, em comparação com a realidade superior, divina e celeste, se encontra em um plano existencial mais baixo, material e decaído. Acima de nós, Deus, o Todo Poderoso, é a própria ideia do Bem a reinar nos céus, por sobre nós. O capitalismo, força verdadeiramente demoníaca, representação da potência torpe da matéria, transforma-se, então, em algo que é muito mais do que um simples sistema econômico. É o próprio triunfo do corpo sobre a mente, das tentações da sensualidade, do pecado, da gula, da luxúria etc. sobre as exigências intelectuais da Justiça, do Belo e do Bem. Trata-se inconfundivelmente de uma luta entre os bons e os maus, entre Deus e satanás, e a recusa de uma esquerda "esclarecida", que considera infantil esta visão moral e religiosa do mundo, só afasta e aliena o cidadão comum, que nada quer saber sobre sistemas econômicos, o imperialismo ou sobre a divisão internacional do trabalho, mas que quer, sim, antes de mais nada, ter o que comer, ter como alimentar os seus filhos e a sua esposa e que a justiça e a virtude reinem inquestionáveis no Brasil e, se possível, em todo o mundo. As imensas manifestações operárias dos anos finais da ditadura, em que a participação clerical e o caráter religioso dos atos foram fatos marcantes, são a prova cabal de que o povo anseia por lutar ao lado do Arcanjo Miguel, e também é prova disto o fato de que as forças do mal, isto é, os Estados Unidos da América, suas agências de inteligência e inúmeros tentáculos, passaram os últimos 40 anos tentando destruir o catolicismo no Brasil e substituir a teologia da libertação católica pela espúria, farsesca e grotesca "teologia da prosperidade" protestante. Neste momento mesmo em que escrevo, uma parte não desprezível da intelectualidade católica brasileira perde o seu tempo com a realização entusiástica de exercícios mentais de uma escolástica vazia, sem sentido, que não os vai levar a lugar algum, ao passo que as forças do mal só avançam e avançam... A eles eu digo: acordem! (Ivan Preuss)
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